Um crime de difícil combate e que é cada vez mais comum e afeta desde órgãos públicos até empresas particulares, casas e comunidades inteiras: o furto de fios e cabos. O objetivo dos ladrões é coletar o máximo de cobre, metal nobre que é um excelente condutor elétrico e gera muito interesse no mercado.
Esse tipo de furto não é novidade, mas com a crise enfrenta uma onda de incidência. Desde o ano passado o cobre mais que dobrou de preço, diante da valorização do dólar, somado à escassez no mercado e alta demanda.
Aumento significativo
“O valor pago pelo quilo aumentou mais de 100% nos recicladores e sucatas. Se antes esses locais da região pagavam em torno de 18 reais pelo quilo do material, agora ultrapassa os 40 [reais]”, explica o delegado de Polícia Civil Luciano Dias Peringer, titular da Delegacia de Repressão aos Crimes contra o Patrimônio e Serviços Delegados do Departamento Estadual de Investigações Criminais (DRCP/DEIC).
Em São Paulo e Minas Gerais, principais destinos finais do material, o quilo do metal pode ultrapassar os 65 reais.
Combate ao receptador
As ocasionais prisões de indivíduos com algumas quantidades de fios são apenas a ponta do iceberg que envolve o crime, passando também por grupos especializados, receptadores e empresários que compram o material sem comprovação de origem.
Uma das grandes dificuldades para a Polícia é que o material quando é subtraído é dificilmente identificado. “Salvo os específicos de telefonia ou das próprias concessionárias, o material não tem como ser identificado, pois a capa que envolve o cobre queima, impossibilitando o rastreio. Por isso agimos principalmente no combate à receptação do material sem comprovação”, explica Peringer.
A DRCP mantém a Operação Metal, de forma ininterrupta, que fiscaliza reciclagens e ferros-velhos. “Como quem fomenta esse tipo de crime é o reciclador irregular, que é quem recebe esse material e paga por ele, a fiscalização ocorre nestes locais. Reprimir o receptador é uma forma mais eficiente, pois se os autores não têm para quem vender, o crime não ocorre”, pontua.
A punição aos crimes de receptação qualificada e contra o patrimônio e contra concessionária também acaba sendo mais severa do que a do furto, variando de dois a oito anos de prisão.
Mas a partir da apreensão, os agentes também buscam identificar os autores, quando indicados pelo próprio receptador, ou por denúncias relacionadas aos furtos.
Até grupos especializados atuando na área
Diferente dos roubos de veículos e cargas, o furto dos fios é muitas vezes cometido por indivíduos sozinhos, em sua maioria usuários de drogas. “Nos pequenos furtos as pessoas cometem o crime sozinhas e a pé, de bicicleta ou no máximo com uma motocicleta. Os locais alvo desse tipo de delito são de fácil acesso. Agora, quando o crime envolve um grande volume de material, obviamente envolve mais pessoas, equipamentos e conhecimento, por isso pode ter envolvimento de pessoas que atuam ou já atuaram em empresas especializadas”, pontua o delegado Peringer.
O policial observa ainda que esses criminosos, que realizam os maiores furtos, normalmente se passam por equipes realizando instalações ou reparos para não gerar desconfiança de quem vive nas proximidades.
“Os indivíduos utilizam uniformes e veículos adesivados e por passarem essa imagem de prestador de serviço, os moradores não suspeitam e só se dão conta que o furto aconteceu quando ficam sem algum serviço”, explica.
Carro adesivado
Foi exatamente assim que os moradores da Rua Tarcísio Antônio Bruxel ficaram sem serviço de telefonia há algumas semanas. “Uma equipe chegou e começou a mexer nos postes. Tinham carro adesivado, uniforme, escada, equipamento. Parecia que estavam trabalhando em algum reparo, ninguém desconfiou que poderiam estar furtando”, conta o morador Mario Schüling, 64 anos.
Os moradores só perceberam que os técnicos na realidade eram criminosos quando ficaram sem o serviço e o técnico da empresa que foi fazer o reparo questionou se não haviam visto alguém mexendo nos postes.
Em casos em que a vizinhança desconfia, anotando placas e denunciando, a chance de identificar os criminosos é maior.
Colégio Estadual Vila Becker prejudicado
Os criminosos ultrapassam limites e ignoram os riscos contra a própria vida para furtar o material elétrico. Em Novo Hamburgo o Colégio Estadual Vila
Becker, no bairro Operário, ficou quase completamente às escuras após o furto da fiação que liga a rede de abastecimento aos quadros de distribuição da escola.
“Toda a equipe da escola estava de férias em fevereiro e eu precisei vir até a secretaria para resolver um assunto e aproveitei para dar uma olhada no prédio e me deparei com a situação”, conta a diretora Bernadete Fasolo. Apenas o prédio administrativo permaneceu com energia elétrica.
Além dos cabos, caixas de distribuição também foram furtadas ou danificadas. “Desde a pandemia, com a menor circulação de pessoas, isso tem sido recorrente. Os pequenos furtos percebemos ser de usuários de drogas, mas esse maior, que é dos cabos de tensão mais alta, deve ter sido feito por pessoas com conhecimento em elétrica”, observa.
Os prejuízos financeiros da escola são estimados em mais de R$ 30 mil, mas a isso soma-se a impossibilidade de realizar as aulas presenciais.
Cruzeirinho no prejuízo
A sede da Sociedade Esportiva, Cultural e Beneficente Cruzeiro do Sul, no bairro Primavera, também foi alvo de ladrões que aproveitaram o período de pouca movimentação para furtar. Em maio a quadra da entidade foi invadida e teve toda a fiação elétrica furtada, deixando o local no escuro e no prejuízo de mais de R$ 2 mil. Sem ter para quem recorrer, a retomada depende da própria comunidade, que realizou promoções para arrecadar dinheiro para o conserto.
Importante denunciar
Para ajudar a combater esse tipo de crime e tantos outros, denúncias de atitudes suspeitas poder ser feitas para a Guarda Municipal (GM) pelos telefones 153 ou 3524-8738, ou Brigada Militar, pelo 190.
Posto de Saúde chega a parar
Independente da quantidade de fios furtada, se poucos metros ou quilômetros, além dos prejuízos financeiros, a prática gera uma série de transtornos à população, através da falta de energia, interrupção de serviços de telefonia e Internet e até na prestação de serviços públicos.
Um cartaz preso na porta da UBS Liberdade, em Novo Hamburgo, no início do mês, deixou clara mais uma das consequências do furto no município.
Consultas, encaminhamentos e demais serviços do local precisaram ser suspensos por quatro dias devido ao furto da fiação, que deixou o local sem energia elétrica.
O crime, que aconteceu na madrugada do dia 4 deste mês, foi registrado em boletim de ocorrência.
Em maio a Estação de Bombeamento de Esgoto (EBE) da Vila Kippling, em Canudos, também foi alvo de criminosos. Na ocasião foram furtados 50 metros de cabos de energia. O problema poderia ter sido maior se nos dias seguintes tivesse ocorrido um grande volume de chuva, já que o funcionamento das bombas estava comprometido.