O governo Jair Bolsonaro pediu mais cooperação aos Estados Unidos para tentar atingir a meta de que 50% da matriz energética brasileira seja proveniente de fontes limpas e renováveis até 2031 —hoje, esse percentual é de cerca de 45%.
O ministro de Minas e Energia do Brasil, Bento Albuquerque, enviou uma carta à secretária de Energia americana, Jennifer Granholm, solicitando a ampliação das parcerias entre os países, com investimentos públicos e privados, e um encontro do fórum bilateral do setor dedicado exclusivamente à energia limpa.
A Folha teve acesso ao documento enviado ao Departamento de Energia dos EUA em 20 de janeiro, dia da posse de Joe Biden. No texto, Albuquerque diz que, no ano passado, houve “progressos significativos” na relação energética entre os países e que espera que a “frutífera colaboração” se fortaleça.
“Espero que uma agenda tão ambiciosa possa ser expandida ainda mais este ano —podemos vislumbrar, por exemplo, um novo capítulo inteiro sob o Fórum de Energia entre Brasil e EUA, dedicado às energias limpas e renováveis, área em que tanto o Brasil como os EUA têm capacidades reconhecidas e estão muito bem colocados para desempenhar um papel de liderança”, diz a carta.
O Fórum de Energia Brasil-EUA (USBEF, na sigla em inglês) foi lançado em 2019, sob os governos dos aliados Jair Bolsonaro e Donald Trump, e teve sua primeira reunião em fevereiro de 2020, em Brasília.
Agora, a ordem das alas mais moderadas de militares e diplomatas é construir novas pontes com a Casa Branca, mesmo sob gestão democrata.
Quando lhe foi perguntado sobre as metas que o Brasil quer alcançar com o aumento da cooperação com os EUA, o ministro afirmou à Folha que o objetivo é ampliar a participação de fontes limpas e renováveis na matriz energética, citando o hidrogênio como uma área de vanguarda de bastante interesse do país.
“Nossa matriz é muito diversificada, a fonte hidráulica, que hoje é 63% [da matriz elétrica], vai cair para 57%, mas outras fontes renováveis, como solar, eólica e biomassa, vão crescer. Está vindo aí o hidrogênio, que é uma área que a gente está querendo cooperar com os EUA e, particularmente, o etanol”, diz Albuquerque —o etanol do Brasil é feito da cana de açúcar, enquanto americanos o produzem a partir do milho.
“Nossa meta é atingir 50% da matriz energética limpa e renovável, hoje ela está em 45%, ou seja, vai haver uma expansão que não é só com uma determinada fonte de energia.”
O ministro acrescenta que o Brasil pode “levar nossa tecnologia [do etanol, por exemplo] para outros países, para que isso possa se tornar um movimento sustentável, auxiliando na transição energética do mundo.”
Na carta à secretária americana, Albuquerque diz ainda que o fórum energético Brasil-EUA promoveu “uma série de iniciativas de cooperação a fim de estimular a segurança, o comércio e o investimento” no setor de energia entre os dois países, mas sinaliza que é possível fazer mais.
Bolsonaro e Biden têm agendas antagônicas no combate à pandemia e na pauta ambiental. O brasileiro é um crítico de ONGs que atuam na preservação da Amazônia, também promove a desregulamentação de normas ambientais e é considerado no exterior um líder sem compromisso com a proteção do ambiente.
O presidente dos EUA, por sua vez, colocou o assunto no centro de seu governo e pretende promover uma Cúpula do Clima em 22 de abril, para a qual ainda precisa formalizar o convite ao Brasil.
Apesar disso, auxiliares de Bolsonaro já sinalizaram à Casa Branca que o brasileiro participará do encontro, e o tema de energia limpa pode ser um dos pontos de evidência apresentado pelo país.
O Brasil se destaca na área porque usa mais fontes de energia limpa do que o resto do mundo. Somados, lenha e carvão vegetal, hidráulica, derivados da cana, entre outros, respondem por cerca de 45% da matriz energética do país, bem acima da média global. A matriz elétrica brasileira é ainda mais renovável que a energética, já que grande parte é gerada por usinas hidrelétricas.
O movimento de Albuquerque soma-se à série de contatos do primeiro escalão dos governos Bolsonaro e Biden desde a posse do democrata, para tratar de temas que englobam as mudanças climáticas e a proteção da Amazônia.
Além da carta de Albuquerque para Granholm, que ainda não foi respondida pela secretária americana, o ministro Paulo Guedes (Economia) já falou por telefone com a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, conversou com o secretário de Estado americano, Anthony Blinken, e, depois, ao lado do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, teve uma reunião virtual com o chamado czar do clima do governo Biden, John Kerry.
Nas conversas, o recado é o mesmo: os EUA querem tratar o Brasil como parceiro para desenvolver políticas para a proteção da floresta amazônica, sem sanções econômicas neste primeiro momento.
Uma das ideias é que haja um fundo de financiamento —com aportes públicos e privados— em troca do comprometimento do Brasil com metas de preservação da floresta.
Bolsonaro envi ou carta a Biden em 20 de janeiro, como forma de fazer aceno ao americano, e defendeu parcerias entre os países “em prol do desenvolvimento sustentável e da proteção do ambiente”.
O democrata respondeu mais de um mês depois, em 26 de fevereiro, cobrando Bolsonaro por maior ambição na agenda ambiental e defendendo que Brasil e EUA trabalhem juntos nas áreas de clima e combate à pandemia, e que unam esforços em fóruns multilaterais, como a COP-26 -Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas- e a Cúpula do Clima, marcada para abril.