Mais de 60 entidades enviaram cartas abertas aos ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia
A proximidade do julgamento sobre o alcance da exclusão do ICMS do cálculo do PIS e a da Cofins – a chamada “tese do século” – fez surgir um movimento histórico nos bastidores do Supremo Tribunal Federal (STF). Nunca um processo tributário juntou tanta gente. Mais de 60 entidades ligadas à indústria, ao comércio e à advocacia enviaram cartas abertas aos ministros Luiz Fux, o presidente da Corte, e Cármen Lúcia, a relatora do caso, nos últimos dias.
Elas se mostram preocupadas com o peso que os ministros podem dar para o discurso da União – com relação às perdas para a arrecadação – e alertam para o baque que uma decisão favorável ao governo provocará no mercado.
“Poucas vezes na história da jurisprudência do STF a segurança jurídica dos contribuintes esteve sob um fogo tão cerrado”, diz uma das cartas à Corte, que está assinada por 21 entidades. A maioria de Minas Gerais e do Paraná.
Os ministros decidiram, em março de 2017, que o ICMS, por não se caracterizar receita ou faturamento, não poderia compor a base de cálculo do PIS e da Cofins, o que reduziu os valores repassados pelas empresas ao governo. Mais do que isso: gerou um crédito gigantesco por causa das cobranças feitas de forma indevida no passado.
A União fala em R$ 250 bilhões de impacto e tenta, desde então, reduzir a conta. Essa tentativa é o que, agora, está em jogo. Os ministros vão decidir, por meio de novo recurso (embargos de declaração), no dia 29, a chamada modulação de efeitos. Se a medida for aplicada, os valores cobrados no passado não precisarão ser devolvidos.
As Federações das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Minas Gerais (Fiemg) e do Rio de Janeiro (Firjan) falam em “grave preocupação” com o julgamento. Tratam como “sendo absolutamente crucial que a aventada perda arrecadatória [para a União] não sirva como razão para flexibilizar ou postergar os efeitos” da decisão de 2017.
Essas três entidades foram as primeiras a enviar carta à Corte. Elas afirmam, no documento, que a indústria nacional passa pela maior crise econômica dos últimos 25 anos, com forte retração e elevado nível de desemprego, e dizem que “eventual alteração ou modulação da decisão afetará gravemente a segurança jurídica com que os agentes econômicos operam”.
Os presidentes das comissões de direito tributário de todas as seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que também enviaram carta conjunta ao ministro Fux, afirmam que muitas empresas já tiveram as suas ações encerradas no Judiciário e algumas delas inclusive já estão aproveitando os seus créditos por meio de compensações – para quitar tributos correntes.
Outras, de capital aberto, dizem, incorporaram os créditos nos balanços, “impactando em seus valores de mercado e, assim, atingindo a esfera de interesses e direitos de investidores”. Eles afirmam ainda que os contribuintes que tiveram o direito aos créditos reconhecido na Justiça precisaram, inclusive, recolher Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL sobre tais ganhos.
“A modulação, caso aplicada, exige extrema parcimônia pois, em verdade, será um instrumento de redução da eficácia da Constituição, com efeitos nefastos na economia das empresas, do emprego, da capacidade produtiva, de investimentos, e, pior, de confiança no Poder Judiciário, e, por conseguinte, na própria advocacia”, consta na carta.
O grupo de advogados acrescenta que a União tem conhecimento da inconstitucionalidade da cobrança há 15 anos e que, por esse motivo, não pode alegar “qualquer surpresa ou prejuízo financeiro injusto e imprevisível”. Eles dizem que o STF já havia decidido sobre a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins ao julgar um outro processo, no ano de 2014, e que desde 2006 tinha maioria de votos contra a tributação.
Além da modulação de efeitos, a União pede, nos embargos de declaração, para que os ministros se posicionem sobre qual ICMS tem de ser retirado do cálculo das contribuições: se o que incide sobre as vendas, constante na nota fiscal, ou o efetivamente recolhido, geralmente menor e que, consequentemente, faria menos diferença na conta.
A Receita Federal publicou solução de consulta, em dezembro de 2018, afirmando que aceitaria a retirada somente do imposto recolhido. No ano seguinte, em 2019, editou a Instrução Normativa nº 1.911, reforçando o posicionamento.
O Fórum Nacional da Indústria, também em carta enviada ao ministro Luiz Fux, diz que não há base jurídica para essa interpretação – nunca tratada no processo e que não consta na decisão. A Receita Federal, segundo a entidade, agiu de forma “arbitrária e ilegítima”.
“Visou reduzir os impactos da restituição ou compensação de valores indevidamente recolhidos pelos contribuintes, ainda que decorrentes de decisão final transitada em julgado em suas ações individuais”, afirma no documento.
Associações de diversos setores assinam esse manifesto em nome do Fórum Nacional da Indústria. São, ao todo, 39 entidades. Entre elas, as representantes de alimentos (Abia), máquinas e equipamentos (Abimaq), processadora de aço (Abimetal), plástico (Abiplast), têxtil (Abit) e farmacêutica (FarmaBrasil e Interfarma), além da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Especialista em tributação, Priscila Fariceli, do escritório Demarest, afirma que, sobre esse ponto específico – do ICMS destacado versus o recolhido – os contribuintes têm levado a melhor. Ela tem um levantamento referente ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS).
Havia, até 2019, 386 acórdãos mencionando essa discussão. Em 346 deles os desembargadores decidiram pelo ICMS destacado na nota fiscal, favorecendo o contribuinte. E nos 40 casos restantes não enfrentaram a questão. “Não localizamos um único acórdão desfavorável”, diz.
O advogado Alberto Medeiros, sócio do escritório Stocche Forbes, preside a Comissão de Direito Tributário da OAB do Distrito Federal e assinou uma das cartas que foram enviadas ao Supremo. “Esse movimento, tanto do mercado quanto da própria advocacia, é inédito”, afirma.
Medeiros atribui a mobilização ao impacto econômico e ao direcionamento jurisprudencial. “Porque se decidir pela modulação de efeitos, a Suprema Corte estará permitindo que se altere um cenário que se consolidou no tempo. Estamos falando de 15 anos.”
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) foi procurada, mas não deu retorno até o fechamento da edição.