Mineral com comprovado efeito antimicrobiano, o cobre tem mostrado bom potencial como aditivo na fabricação de produtos tecnologicamente mais elaborados e com maior valor de mercado. Estudos feitos por startups e universidades mostram que, quando apresentado na forma de nanopartícula, o material pode ser incorporado a tecidos, tintas e plásticos, oferecendo proteção contra vírus e bactérias. O mineral também tem potencial para ser empregado como ingrediente na alimentação de aves e suínos, em substituição a antibióticos, e no combate a pragas agrícolas, emulando o papel dos pesticidas convencionais.
Um dos trabalhos mais avançados é liderado pelo Grupo Cecil, do setor de laminação de metais, e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT). No fim de 2020, os dois parceiros entraram com pedido de patente de um processo produtivo para obtenção de nanopartículas de cobre com uma tecnologia nacional. Foi o resultado de um trabalho iniciado em 2018, que ganhou relevância com a pandemia de Covid-19. Materiais aditivados com cobre podem ajudar a conter a contaminação pelo Sars-CoV-2. Ao entrar em contato com o microrganismo, o mineral rompe sua membrana externa, levando-o à destruição. Dessa forma, uma maçaneta ou um corrimão pintados com uma tinta aditivada impediriam a sobrevivência do vírus, minimizando sua disseminação pelas mãos dos indivíduos.
Para ganhar o mercado, o Grupo Cecil montou a spin-off Abluo, especialmente para projetar e desenvolver soluções tecnológicas com o uso do novo material. A ideia é que essas novas soluções tecnológicas sejam criadas a partir de demandas dos clientes da startup e em parceria com eles. “Com a Abluo, passamos a investir não apenas em produtos do tipo commodity, mas também em materiais de elevado valor, como tecidos aditivados”, destaca o engenheiro de produção Clayton Lambert, gerente de Inovação e Tecnologia da Cecil.
As nanopartículas de cobre, em forma líquida ou em pó, podem ser utilizadas no ramo hospitalar, na construção civil, na indústria automobilística, no setor têxtil, entre outros. Elas são obtidas a partir de uma reação química de oxirredução de sulfato de cobre, com encapsulação do elemento ativo, ou seja, a proteção do nanocobre com um revestimento. O processo de nanoencapsulação, explica a bióloga Patrícia Léo, gerente técnica do Laboratório de Biotecnologia Industrial do IPT, foi a forma encontrada para contornar a instabilidade do cobre, um dos maiores desafios ao se trabalhar com o metal. “As nanopartículas resultantes da reação são instáveis e tendem a aglomerar. Para conferir estabilidade a elas, criamos revestimentos à base de polímeros e surfactantes”, detalha a pesquisadora.
Para aumentar a escala de produção, Cecil e IPT estão aprimorando o processo fabril. Léo explica que, inicialmente, se recorreu ao processo produtivo de batelada. “Nele, os reagentes são colocados de forma ordenada em um tanque reator como se fossem os ingredientes de uma sopa”, compara. “A quantidade produzida a cada batelada é limitada pelo tamanho do tanque.” Essa restrição pode ser superada com o emprego de reatores microfluídicos, processo que o IPT está desenvolvendo. “Os microrreatores operam em fluxo contínuo, sem interrupção”, esclarece a pesquisadora. O novo processo garante maior precisão e homogeneidade no tamanho das nanopartículas, podendo elevar seu potencial biocida.
A parceria estabeleceu-se há três anos quando a Cecil resolveu criar um produto aproveitando a natureza biocida do cobre e financiou dois pós-graduandos do programa de mestrado profissional do IPT, Pedro Paulo Noronha Silva de Jesus e Rúbia Rodrigues Conti. Esses estudos resultaram na tecnologia patenteada e na contratação dos pesquisadores – Jesus trabalha na Abluo e Rodrigues no IPT.
Etapas da síntese de fabricação de nanocobre no IPT: solução de sulfato de cobre penta-hidratado, agente de revestimento, agente redutor e solução líquida de nanopartícula de cobre (da esq. para a dir.), Léo Ramos Chaves
A evolução do conhecimento sobre o novo coronavírus, demonstrando maior risco de contágio por via aérea do que pelo contato de superfícies contaminadas, não deve reduzir o potencial de aplicações do novo produto, dizem os pesquisadores. “Toda forma de prevenção é importante. Nanopartículas de cobre podem ser utilizadas em dutos e filtros de ar-condicionado”, defende Léo.
O químico Elson Longo, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e diretor do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiados pela FAPESP, tem a mesma opinião. “É um campo que vai crescer de forma exponencial. A vacina garante alguma imunidade, mas continua sendo importante usar máscara, higienizar mãos, proteger locais de grande circulação de pessoas, como bancos de ônibus, maçanetas, catracas. A proteção continuará sendo fundamental no futuro.”
O CDMF tem entre as suas spin-offs a Nanox, startup especializada em nanopartículas de prata. O antimicrobiano nanoparticulado, criado com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da FAPESP (ver Pesquisa Fapesp no 288), já vem sendo aplicado a diversos materiais, como papel, plástico e fibras têxteis. As nanopartículas de cobre, segundo Longo, vêm trazer mais opções a esse mercado.
Substituto verde
A startup Brazilian Nano Feed (BNF), de Santo André (SP), também trabalha com o cobre nanoparticulado. Em um projeto apoiado pela FAPESP, a empresa está realizando a síntese de nanopartículas de cobre e prata para uso como aditivo na alimentação de suínos e aves. O objetivo é substituir os antibióticos utilizados para reduzir bactérias patogênicas do trato intestinal dos animais e facilitar a absorção de nutrientes.
“O uso indiscriminado dos antibióticos acaba levando à resistência”, justifica o veterinário Joaquim Gonçalves, gerente comercial da BNF. A empresa já formulou um produto para ser incorporado em diferentes tipos de ração. Camila Neves Lange, sócia-fundadora da startup, destaca as vantagens do uso conjunto de cobre e prata em um mesmo aditivo. “O cobre é mais difícil de trabalhar, mas é mais barato e um nutriente já bastante utilizado, enquanto a prata tem ação bactericida mais eficiente”, diz. O próximo passo será a realização de ensaios em campo com pecuaristas para comparar a eficácia dos antibióticos com as nanopartículas de cobre e prata.
Outra investigação na Universidade Federal do ABC (UFABC) tem como finalidade pesquisar o uso de nanopartículas de cobre na agricultura, em substituição aos pesticidas convencionais. “Estamos utilizando o material para combater patógenos das plantas e biofortificação. O cobre é um elemento importante para o crescimento vegetal”, destaca a química Amedea Barozzi Seabra, que tem apoio da FAPESP.
A pesquisadora também trabalha com nanopartículas de prata em um projeto que visa eliminar fungos na pós-colheita. Nesse projeto, em parceria com o Instituto Agronômico de Campinas, Seabra incorporou às nanopartículas revestimento de quitosana, um polímero natural e biodegradável, modificada para a liberação de óxido nítrico. “Esse elemento também tem ação bactericida. Associada à nanopartícula de prata, permite que usemos menor quantidade do metal”, explica a pesquisadora, que já entrou com pedido de patente da tecnologia.
Projetos
1. Síntese de complexos nanoestruturados de cobre e prata para substituição de antibióticos promotores de crescimento na produção de suínos e aves (nº 20/00766-7); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisadora responsável Camila Neves Lange (Brazilian Nano Feed) Investimento R$ 184.923,00.
2. Óleo essencial contendo nanopartículas metálicas funcionalizadas com óxido nítrico como estratégia para o controle de patógenos vegetais na agricultura (nº 18/08194-2); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora Responsável Amedea Barozzi Seabra (UFABC); Investimento R$ 219.784,78.
Artigo científico
KOHATSU, M. Y. et al. Foliar spraying of biogenic CuO nanoparticles protects the defence system and photosynthetic pigments of lettuce (Lactuca sativa). Journal of Cleaner Production. v. 324. 15 nov. 2021.