Boas Festas!

Boas Festas!

Comunicamos a todos que a ABCobre estará em recesso entre os dias 21/12/2023 e 02/01/2024.

Os desafios dos profissionais jurídicos do mercado automotivo no ESG e eletrificação

Eletromobilidade exigirá atenção redobrada da área de riscos e compliance no novo cenário automotivo

Recentemente, o governo da Uganda expôs em rede nacional a iniciativa do fornecimento de motos elétricas para a população, em substituição aos modelos movidos à combustão, largamente usados pelos aproximadamente 200 mil Bodas-bodas (espécie de serviço mototáxi). Além do ganho ambiental, os governantes esperam um baixo custo de manutenção das motocicletas elétricas, já que, atualmente, são o principal meio de locomoção em solo ugandense. Caso esta iniciativa se concretize, será a maior política de eletrificação de frotas de um país no mundo[1].

Mas, o que isto tem a ver com ESG e o futuro desafiador do setor automotivo? Como veremos a seguir, ficará cada vez mais complexo desassociar ambos, e, por isso, exporemos aqui aspectos que os advogados e profissionais de Governança, Riscos e Compliance (“GRC”) devem se atentar, considerando sua atuação neste setor que conta com mais de 6 mil empresas e gera cerca de 420 mil empregos em todo o território nacional[2].

Distante de ser um texto que trate da tecnicidade da eletromobilidade, abordar este assunto não é sinônimo de tema inovador. Entretanto, cada vez mais presente nas discussões setoriais ou simplesmente por aqueles amantes de veículos, a tendência é que esta temática seja abordada com certa recorrência, se considerarmos que a venda destes veículos tem crescido. Conforme indica Associação Brasileira do Veículos Elétricos (ABVE), as vendas de veículos eletrificados leves cresceram 78% no primeiro quadrimestre de 2022, em relação ao mesmo período no ano de 2021[3].

Em nosso país, ainda que os números de emplacamentos dos elétricos não sejam tão relevantes em comparação aos veículos movidos à combustão, uma pesquisa encomendada pelo Itaú Unibanco, publicada em março de 2022, revelou que mais de 60% dos brasileiros possuem interesse em adquirir um veículo eletrificado. Ademais, um estudo realizado pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA) e a Boston Consulting Group (BCG) sugere que, dependendo do cenário, veículos leves eletrificados podem responder por algo entre 12% e 22% do mix de vendas em 2030, e de 32% a 62% em 2035[4].

Em âmbito regulatório, nota-se também certas novidades alinhadas a esse tema nos últimos anos. A título exemplificativo, o Governo do Estado de São Paulo apresentou no ano passado um programa para estimular o investimento do Setor Automotivo e de Autopartes na produção de carros híbridos ou movidos a energia limpa, denominado Pró Veículo Verde[5] (Decreto Nº 66.610/2022).

Além disso, citamos também duas outras normativas relacionadas à matéria e que impactam o Setor, como o Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (PROCONVE) – que encontra-se nas fases PROCONVE L7 e PROCONVE P8 (Resolução Nº 492/2018)-trazendo regulamentações específicas sobre as emissões de poluentes por veículos, e o Rota 2030 (Lei Nº 13.755/2018) que traça diretrizes para, entre outros fins, valorizar a matriz energética brasileira e incrementar a eficiência energética dos veículos. Esta movimentação normativa demonstra que, de certo modo, o país tem buscado acompanhar as tendências internacionais, vide acordo firmado pela União Europeia que poderá banir carros com motores a combustão a partir de 2035[6].

Ainda que recarregar um carro elétrico seja mais caro que abastecer com gasolina em alguns países e regiões – como ocorre na Inglaterra[7] – fato é que estes veículos, que, guardadas as proporções, já disputavam as ruas de Nova York com os veículos a gasolina na década de 1900[8], poderão impulsionar a pauta ESG das empresas do setor automotivo, pois, em última análise, poderão mitigar impactos operacionais nos três pilares, mas sobretudo ambientais no planeta.

Um dos pontos principais que envolvem o ESG, seria de que os veículos elétricos auxiliariam as empresas a diminuírem sua pegada de carbono, especialmente os setores que dependem de veículos, como o setor de logística, por exemplo[9]. Vale destacar que a redução das emissões de gases de efeito estufa foi um compromisso firmado pelo Brasil através da ratificação do Acordo de Paris na COP21[10].

Todavia, este cenário também contém tópicos um tanto controversos, tal qual a bateria utilizada nos veículos elétricos. Isto porque, além da dificuldade em sua reciclagem, as reservas dos metais utilizados nas baterias estão concentradas em poucos países, dentre eles República Democrática do Congo, Bolívia, Chile e Argentina[11]. Neste sentido, aos juristas e profissionais de GRC, cabe destacar que será necessário um aumento da atenção na realização de due diligence em fornecedores e subfornecedores, que, com o advento da pauta ESG, tem ganhado novos contornos.

Esta due diligence de ESG deve, primordialmente, prevenir a ocorrência de violações de direitos humanos em toda a cadeia de suprimentos, desde a extração de matéria-prima, até a entrega do produto acabado ou a prestação dos serviços aos clientes, como se pode observar no teor da lei alemã sobre due diligence corporativa para prevenir violações de direitos humanos na cadeia de suprimentos. Ainda que este diploma legal tenha entrado em vigor apenas em 1 de janeiro de 2023, espera-se que esta nova lei produza efeitos além das fronteiras germânicas, inclusive impactando empresas no Brasil[12].

Outro importante fator que deve estar no planejamento dos profissionais de GRC nesta possível transição setorial é o aditamento dos contratos atualmente vigentes ou a própria pactuação de novos contratos. Os veículos elétricos poderão exigir uma mudança de moldes e peças automotivas, e, diante disso, novas negociações devem estar formalizadas e muito bem descritas em um instrumento contratual.

No que se refere exclusivamente ao ESG, felizmente percebe-se que esta pauta favoreceu a promoção da agenda de Diversidade & Inclusão, além de revigorar outros temas que poderiam estar marginalizados em algumas empresas, como a importância de ações que contribuem com a agenda ambiental e social.

Diante disto, corporações, não somente do setor automotivo, têm atualizado seus Códigos de Conduta e Políticas Internas para inclusão destes importantes pilares. Os citados contratos têm sido também aditados para prever que as partes respeitem as diretrizes de ESG, sendo elas relativas à D&I[13], vedação ao trabalho escravo, cuidados ambientais, etc.

Ainda neste aspecto, outra tendência para os próximos anos é não somente a adequação de instrumentos contratuais, mas a análise pós contratual, por meio de auditorias dedicadas. Através de auditores independentes ou do próprio time de auditoria interna, as empresas do setor têm se preocupado em verificar se seus fornecedores estão cumprindo as obrigações convencionadas, em especial no que tange às práticas de ESG.

Como consequência de todo este panorama, percebe-se que corporações têm buscado cada vez mais demonstrar ações que estejam diante da agenda ESG e em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU[14]. Logo, outro fator de provável crescimento para este ano será a procura de certificações e selos que atestem as empresas nestas questões, e a análise sobre qual tipo de reconhecimento faz sentido para o seu negócio é uma etapa importante.

E essa situação apresenta outro desafio aos advogados e gestores de riscos: capitanear a interlocução com profissionais de outras áreas do conhecimento, como por exemplo, engenheiros ambientais, economistas, assistentes sociais, entendendo da técnica de áreas em que não atua e, de seu lado, não exagerando no jurisdiquês, ajustando a formalidade típica do judiciário a um mundo de conceitos novos e cada vez mais fluidos.

Vale destacar, em tempo, que embora as organizações estejam preocupadas com o cumprimento da pauta ESG na indústria automobilística, se deve tomar bastante cuidado com práticas de Greenwashing e Socialwashing. O Greenwashing pode ser traduzido como “lavagem verde” ou até mesmo como “maquiagem verde”, sendo uma prática que objetiva camuflar, mentir ou omitir informações sobre os reais impactos das atividades de uma empresa no meio ambiente[15].Quanto ao Socialwashing, se trata de termo designado para práticas em que as empresas fazem afirmações enganosas, exageradas ou sem fundamento sobre a gestão de riscos sociais ou questões sociais[16].

Ainda que os impactos da eletromobilidade não sejam tão sentidos em nosso país na mesma escala que outras regiões ao redor do globo, inegável é dizer que todo o setor, tanto montadoras quanto fornecedores, devem estar cada vez mais preparados para as mudanças que advirão da aplicação de novas tecnologias, bem como com a eclosão da pauta ESG por toda a indústria.

Se empresas centenárias estão buscando se reinventar diante da perspectiva – ou certeza – de um futuro automotivo eletrificado, o profissional atuante neste ramo também precisa ficar ciente das mudanças e acompanhar a evolução deste mercado.

Conforme apresentado a partir do Fórum Econômico Mundial, por meio do estudo “Veículos elétricos para cidades mais inteligentes: o futuro da energia e da mobilidade”[17], será essencial que a produção de novos veículos assuma uma abordagem multistakeholders, na qual seriam recomendações chave (i) garantir apoio às políticas municipais, regionais e nacionais; e (ii) avaliar as características e padrões de mobilidade,visando a antecipação da transformação da mobilidade.

O futuro é desafiador, mas o profissional capacitado nestas vertentes poderá apoiar as empresas do setor, contribuindo para a propositura de estratégias assertivas, assim como na mitigação de possíveis riscos provenientes deste atual cenário automotivo.

Sobre os autores

Marco Aurelio Bagnara Orosz é graduado pela PUC-Campinas e especializado em Compliance pelo Insper/SP e em Gestão de Riscos pela FIA/SP. Head da área de Compliance e Proteção de Dados do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

Thiago Henrique Bueno Vaz é graduado pela PUC-Campinas, especializado em Compliance (KPMG Business School) e em Direito Contratual (FGV). MBA em Gestão e Business Law pela FGV (em curso). Pesquisador do GP Compliance da FACAMP. Responsável pelo Departamento Jurídico & Compliance da Mann+Hummel.

[1]País da África vai distribuir motos elétricas entre a população | Automotive Business
[2]Setor automotivo gera milhares de empregos e movimenta a economia | Especial Publicitário – FIEMG – Indústria com você – Automotivo | G1 (globo.com)
[3]Vendas de veículos eletrificados leves aumentam 78% em 2022 (motorshow.com.br)
[4]Release_Estudo ANFAVEA-BCG aponta cenários e desafios do Brasil no caminho da descarbonização do setor automotivo.pdf
[5]Governo de São Paulo lança programa de incentivo aos veículos sustentáveis (fazenda.sp.gov.br)
[6]União Europeia firma acordo para banir carros com motores a combustão a partir de 2035 | Mundo | O Globo
[7]Recarregar carro elétrico já é mais caro que abastecer com gasolina | Automotive Business
[8]Em 1900, carros elétricos eram 38%; o que deu errado? – Olhar Digital
[9]Como carros elétricos podem ajudar as metas ESG das empresas? (ig.com.br)
[10]Acordo de Paris (mma.gov.br)
[11]Aquilo que ninguém conta sobre os carros elétricos (uol.com.br)
[12]ConJur – Michele Hastreiter: Lei alemã de cadeia de forneciment
[13]A pauta ‘ambiente livre de assédio’, alinhada ao S e ao G, ganhou destaque com a edição da Lei 14.457/22, que estabeleceu o Programa Emprega + Mulheres, cabendo ao profissional de Compliance assegurar que a norma seja efetivamente cumprida.
[14]Objetivos de Desenvolvimento Sustentável | As Nações Unidas no Brasi
[15]Greenwashing: o que é, como identificar, exemplos e mais! – FIA
[16]You’ve Heard of Greenwashing, Now Meet ‘Social Washing’ | Morningstar
[17]World Economic Forum (weforum.org)